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Nota de intenções

 

Desde cedo me lembro ter um fascínio por planos fixos. Parecem janelas para o mundo, como uma fotografia emoldurada, mas em movimento. É um efeito real, mas também ilusório, porque constituem diversas imagens que guardam e provocam a sensação de movimento dentro do plano.

Já na infância era uma pessoa contemplativa. Na sala de aula da escola primária, gostava de olhar pelas janelas e ver o movimento naquele enquadramento retangular, que se expandia naturalmente pela sala, através das sombras e reflexos de luz. Recordo-me da folhagem das árvores, que ondulavam devido ao vento, dos resquícios de luz refletida, sombriamente espalhados nas carteiras dos alunos e nas paredes; contemplava infinitamente o que estava a suceder. Tudo parecia tão efémero e constante ao mesmo tempo... lembravam pinturas em movimento, maiores do que eu. Sempre admirei a arte dos pintores, que tentam retratar num quadro, com diversas pinceladas, momentos que ali ficam estáticos. Imaginava o cinema como a pintura, porém com imagens sucessivas, tão real e ilusório em simultâneo. Esperava ver um filme que fosse assim, uma janela em que o sol e as sombras nos falam através do vento e da Terra a girar. E é aí que nasce este projeto. Em vez de janelas, cada vídeo seria uma cápsula, as imagens dentro de televisões, como se fossem estas as cápsulas que guardam dentro de si o movimento das sombras das árvores projetadas em paredes diversas, cada uma com uma história para contar. Pequenas cápsulas de espaço-tempo irrepetível, com momentos retidos ali para sempre, até à sua destruição.

A Arte é a natureza mas também a Humanidade, e porque não retratar sombras da natureza refletidas na arquitetura projetada pelo ser humano? Procurei edifícios históricos, não só na sua construção e pertinência na história de Portugal, mas também que fossem únicos pela sua própria história. E que a luz e/ou a sombra contida nesses edifícios fosse significativa o bastante para as retratar, melhor do que a fotografia alguma vez seria capaz.

A escolha dos locais: Mosteiro da Batalha, Parque de Serralves e Aldeia de Luz

Comecei pelo Mosteiro da Batalha, por ser um exemplo particular. Os vitrais coloridos e a sua projeção no interior da igreja revelaram-se para mim uma nova forma de contemplar a luz e a essência desta arquitetura gótica, uma época extraordinária em toda a Europa. Com especial enfoque na construção pela luz, este é um edifício que une séculos de história, e cuja luz se perpetua desde a sua construção. Tinha de retratar essa imensidão de luz colorida que dá vida ao seu interior, guardá-la numa cápsula de espaço-tempo que só o cinema torna possível reter e contemplar.

Em Serralves fez sentido filmar num monumento dedicado à Arte Contemporânea, na minha cidade-berço. Captar as sombras da natureza em movimento, estampadas nas linhas direitas do edifício do museu, fez-me sentir a união entre o museu e o meu projeto, também ele fruto de uma arte contemporânea.

A história da Aldeia da Luz cativou-me, porque a reconstrução arquitetónica de uma aldeia inteira associada às planícies do vale do Alqueva criou, de imediato, uma empatia artística que eu sentia que tinha de retratar e reter também.

Este tríptico de lugares com a luz do sol, as sombras e o cruzamento das artes em comum, traduz a beleza única que eu penso ser possível de contemplar através do cinema.

Instalação audiovisual

Ao ver as imagens captadas, dei-me conta de que mostrar através de televisões não é suficiente. A dimensão da luz e cor exige uma contemplação mais plena e profunda. Inspirada nessa ideia, a pesquisa levou-me a dois trabalhos de artistas como Tacita Dean e Peter Greenaway, que exploraram a película de filme, a pintura e a fotografia projetadas em paredes de grande dimensão para contemplação pública, tal como eu gostaria de fazer. Mais do que a história e o cruzamento das artes, mais do que uma linguagem, mais do que a restrição a um género artístico, pretendo levar o “kinema” (imagens em movimento) para outra dimensão, a da transcendência, que outros já exploraram com película, mas que aqui surge na forma de cinema digital.

Cápsulas de substâncias de lugares: texturas, formas, luz, cor, sombras, movimento… a Arte, a Natureza e a Humanidade numa instalação audiovisual única.

Maria João Almeida

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